27 outubro 2010

Dolores

A dor atinge a intimidade, nosso núcleo. Invade de uma tal maneira que sucumbimos.
Ela fura. Perfura e rasga nossas entranhas. Rasga a nossa pele com dentes mal afiados. Cospe em cima das feridas. Joga areia, pimenta! nos olhos, e nos deixa ver a luz após a escuridão.
A dor é o choque. Nos faz sofrer e agonizar. E continua com o choque - sempre mais potente. Não para e aumenta a voltagem! Assim, quando estamos nos acostumando com a dor, ela vem e apunhala nossas têmporas vagarosamente.

A dor, ela arranca nossas pálpebras. Nos força a ver o que realmente é. Mas dói.

15 outubro 2010

Eu não faço poesia

Limito-me a descobrir o fim do infinito. Procuro a concordância do incoerente.

Encontro as mil paredes do universo e deságuo dois mil litros de sangue, água púrpura do agreste nordestino. Coloco nas costas a culpa que o mundo não se culpa, o tom mais pesado daqueles que não têm culpa.

Traço e rabisco a primeira estrofe do verso e do versus, do contra e do favor (por favor). Subo alto. Subo até dois pés acima do cume da montanha. Dois pés impossíveis, invisíveis. Bebo essa água púrpura pra sentir o drama. Para sentir. É assim que me sinto. Não faço poesia.

Sinto.

(pausa)



Impossível? – risos.

Eu amo desafios.

05 outubro 2010

Desabafo #1

Uma das coisas que mais me admirou no ser humano é a sua falta de caráter. A minha capacidade de confiar neles diminui ao passo em que eu os conheço. Isso é ótimo. Quando eu consigo, da forma mais patética e ridícula possível, confiar nessa espécie animal vagabunda que nós somos, alguém, dessa mesma espécie e exemplo perfeito de lixo humano, aparece na minha vida para mostrar que eu não estava errado e que não somos dignos de existir.
"Eu tenho plena convicção de que você não vai ler esse e-mail. Mais ainda, eu tenho certeza que você não responderá. Não é uso de psicologia reversa, é simplesmente a realidade. Não espero uma resposta."
Escrevo apenas para poder tirar todo o resto de humanidade com cheiro de chorume que você deixou. Se o meu coração chegou a bater acelerado por você, peço desculpas agora, porque você merece coisa melhor: uma simples, alienada, forte e burra pessoa ao seu lado. Ou melhor: merece ficar com várias pessoas para o resto da vida. Merece alguém que fique com você e que tenham uma vida normal - exatamente nos seus parâmetros - e que morram juntos, nem antes, nem depois. O "não morra antes de mim" é babaquice demais para você. Seja, da forma mais simples ou espetacular, no seu ponto de vista, feliz.
Com todas as possíveis tristezas e felicidades dividindo o mesmo espaço, eu me despeço. Sei que esse texto é pouco para limpar a mancha que você deixou, mas é só dessa forma que eu vou conseguir começar. E por favor, se passar pela sua cabeça que eu quero uma resposta, responda da forma mais grossa e pessoal - assim me ajuda a limpar tudo.

Este e-mail foi enviado para alguém que eu nem sei mais quem é. Não sei se eu conheci realmente, não sei nem se cheguei a conhecê-lo. E nesse momento, às 03h59min do dia 5 de outubro, eu aceitei pela primeira vez que ele saiu da minha vida. Eu choro, eu soluço quase mudo e fumo desesperadamente. Mas tudo isso abafa e simula uma realidade que quase não é minha.